Por fora bela viola, já por dentro...

Do lado de fora, é uma beleza. Uma vitrine convidativa anuncia “preços inacreditáveis”, e as roupas todas por R$ 9,99. Mas aí você entra em um lugar escuro, abafado e com um barulho incessante de máquina de costura ligada. Dá de cara com duas televisões mostrando ao mesmo tempo um vídeo curto e direto cuja mensagem principal é: você também é culpado pelos problemas da indústria da moda.

Não, não se trata de uma pegadinha em frente à Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), na Avenida Paulista. A claustrofobia e os avisos fazem parte de uma estratégia de um movimento que se articula em todo o mundo para conscientizar sobre o que está por trás da sua vestimenta.

Foi o Fashion Revolution, ao lado das organizações 27 Million e Stop the Traffik (a grafia é assim mesmo), que montou a instalação batizada de “Fashion Experience” – com o apoio da da própria Fiesp, Prefeitura de São Paulo, Ministério do Trabalho, entre outros parceiros. 

Se tudo parece barato e acessível no planeta das grandes marcas de fast fashion é que aconteceu um bocado de coisa por trás disso. Nem todas foram bacanas, muito menos sustentáveis. “A cadeia da moda é complexa”, explica Eloisa Artuso, uma das voluntárias da Fashion Revolution. Elô, como é chamada, sabe disso por experiência própria. Ela é estilista e já trabalhou tanto em grandes marcas, do tipo fast fashion, quanto em marcas autoriais. Elô prefere não citar nomes, mas diz que sentia seu trabalho “ir por água abaixo”, devido à celeridade dos processos. “Tudo era muito acelerado.”

Mas, voltemos à instalação. Na sala escura com as tevês ligadas nos são fornecidos alguns dados interessantes. Quando Elô fala que a indústria da moda é complexa e acelerada, é porque ela tem que dar conta de produzir, por ano, 375 bilhões de roupas. Para substituir toneladas de milhões que são jogadas fora. Para confeccionar uma camiseta, vão embora 2,7 mil litros de água e aproximadamente 16% de todos os pesticidas do mundo são despejados em plantações de algodão.

Crianças são mão de obra constante – tanto em plantações de algodão como algumas vezes no próprio manuseio da confecção.

O impacto socioambiental atinge brutalmente países como China e Bangladesh, mas o problema existe também no Brasil. Não é raro vermos operações do Ministério Público do Trabalho flagrando trabalho análogo à escravidão na cidade de São Paulo, por exemplo.

Para Taty Rapini, diretora executiva no Brasil da 27 Million, apesar de a OIT (Organização Internacional do Trabalho) considerar o País um exemplo no combate ao trabalho escravo, ainda há muito a fazer.

“Embora muitos aqui no Brasil só lembrem do tráfico por questões sexuais, ele também pode ser relacionado a trabalhadores da indústria da moda”, disse Taty. Isso ocorre porque o conceito de tráfico de pessoas também abrange gente que consentiu ir trabalhar em outro lugar e se vê em uma arapuca, com dívidas, com jornadas longas e salários baixíssimos.

Esse tipo de exploração da mão de obra é usual entre os trabalhadores encontrados no bairro do Bom Retiro, em São Paulo. Zara e Le Lis Blanc são algumas das grifes gigantes que se viram com esses problemas de ter mão de obra análoga à escrava trabalhando na confecção de suas roupas. Ao se defender, disseram que não tinham controle sobre todas as etapas da produção.

É exatamente o que Elô nos disse: a indústria é complexa. E pouco transparente, pois não enxergamos essas etapas. O que vemos é o vistoso “preços inacreditáveis”. Para combater essa falta de transparência, além da fiscalização das autoridades, o vídeo dentro na instalação nos provoca: “Pergunte-se: quem faz suas roupas?”.

A pergunta é repetida por Elô. Ela convoca a todos para o Fashion Revolution Day, quando é possível tirar fotos da etiqueta do seu vestuário e postar nas redes sociais. Algumas marcas chegam a revelar fotos das suas costureiras trabalhando.

O Fashion Revolution Day está em sua terceira edição e será realizado no dia 24/4, em 83 países. A data não é aleatória. Foi quando, no ano de 2013, que o Rana Plaza, em Bangladesh, desabou matando 1,1 mil trabalhadores. Sabe quanto recebiam, para costurar roupas que seriam vendidas para cidadãos do mundo todo? US$ 38 (cerca de R$ 152), por mês.

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