O chef Paulo Rocha, 39 anos, responsável pela área de pâtisserie do renomado restaurante paulistano Les Présidents, do chef Eric Jacquin, já perdeu as contas de quantas vezes fora questionado, em meio a um bate papo, sobre suas viagens a Paris. É que, no imaginário popular, a capital francesa deveria ser o ponto de partida de quem atua na arte da pâtisserie, segmento que ganhou o mundo a partir de 1653, com a publicação do livro François Le Pâtissier escrito pelo icônico chef François Pierre de la Varenne. “Eu nunca fui à França”, diz Paulo. “Tudo que aprendi de gastronomia foi aqui mesmo no Brasil”.
O espanto inicial acaba se transformando em mais um motivo de admiração pela trajetória e o trabalho desse mineiro nascido na pequena Chapada do Norte, município do semiárido de Minas Gerais. Conhecida pela grandiosidade da Festa de Nossa Senhora do Rosário, a cidade se originou a partir de quilombos erguidos no início do século 18. E foi dentro da tradição da comida mineira raiz, onde se destacam as quitandas (nome dado aos itens que acompanham a mesa do café: biscoitos, broa, rosca, sequilho e bolo), que Paulo começou a cozinhar. “Eu tinha uma ligação muito forte com minha avó, dona Zizi, uma renomada quituteira que vendia produtos alimentícios na feira”, conta.
Paulo, no dia formatura em gastronomia, na Faculdade Senac / Acervo pessoal
Apesar da riqueza cultural e gastronômica, desde de muito cedo, os rapazes de Chapada do Norte fazem planos para migrar para Belo Horizonte, Rio de Janeiro ou São Paulo. Em 2002, foi a vez do patriarca da família Rocha, que escolheu a terra da garoa como sua nova morada, e trouxe consigo o mais velho dos cinco filhos. Paulo diz que se adaptou rapidamente a aridez da Vila Ida, situada no bairro de Sapopemba, no extremo leste de São Paulo. O desejo de ser financeiramente independente fez com que ele buscasse um emprego no comércio local, logo assim que terminou o ensino fundamental. Bateu em algumas portas e acabou sendo acolhido pela dona de uma doceria do bairro. “Eu ia lá quase todos os dias perguntar se tinha vaga”, lembra. “Esse foi meu primeiro trabalho com carteira assinada”.
Ficou na confeitaria por cinco anos, tempo suficiente para consolidar o gosto pela gastronomia, em geral, e pela pâtisserie, em particular. Neste local, ele aprendeu o básico da cozinha profissional, mas nunca deixou de se preparar para alçar voos mais elevados. As coincidências e acasos do destino acabaram reconectando-o com um amigo dos tempos de ginásio, quando estava curtindo um samba na quadra da Mocidade Alegre. Foi aí que a trajetória do jovem mineiro deu sua primeira grande guinada, pois o amigo o indicou para uma vaga na confeitaria Jelly Bread, na unidade que funcionou a avenida Europa, no sofisticado bairro dos Jardins.
O emprego mais bem remunerado e no qual o nível de exigência era bastante elevado o incentivou a buscar mais conhecimentos na área. A graduação em gastronomia no Senac veio na sequência e o credenciou para seu primeiro cargo de prestígio, como chef confeiteiro no restaurante do Jockey Club. “Sempre fui ambicioso e queria ganhar visibilidade para me tornar uma referência para jovens, como eu, que desejam crescer e evoluir na profissão”. E uma parte importante desse projeto se dá nas redes sociais e nas participações em realities show.
Os chefs Paulo e Michele em programa do GNT/Divulgação
A lista inclui Iron Chef Brasil, na Netflix, Que seja doce e Esse doce tem história, ambos no GNT. Neste último, ele dividia a tela com a chef Michele Crispim, vencedora da quarta edição do MasterChef Brasil. Aqui cabe um destaque, pois foi a primeira vez que um programa do gênero, no Brasil, foi apresentado por dois profissionais afro-brasileiros. O status de celebridade chegou na esteira da parceria com o francês Jacquin, no final de 2019. Na época, o dono do Les Présidents, anunciou que estava recrutando uma equipe para seu novo empreendimento. “Eu me inscrevi para ser confeiteiro e, logo de cara ele disse que eu seria o chef confeiteiro. Tomei um susto”, lembra.
Casado com a designer gráfica Stella, Paulo diz que manter os pés no chão e que não se deixou levar pela fama. “Ainda mantenho dentro mim aquele rapaz abusado que sempre acreditou que poderia fazer o que sonhava e que poderia estar em todos os lugares”, diz. Questionado quando pretende ir à França, profissionalmente ou a passeio, o chef Paulo explica que, agora, não falta dinheiro, mas sim tempo livre. Afinal, cuidar do setor de pâtisserie de oito restaurantes exige uma rotina diária bastante pesada. Mas, como ele mesmo diz, sempre doce.
