Aposta no chocolate sustentável

Aposta no chocolate sustentável

Por Oscar Lopes, especial para Coalizão Verde (1 Papo Reto e Neo Mondo) 

Quando pensamos na cadeia global de produção de chocolate, nada é óbvio. Os quatro principais países responsáveis pela produção de chocolate mundiais são Alemanha, Bélgica, Itália e Polônia e respondem por mais de 40% das exportações totais de chocolate do mundo. Apesar da fama, a Suíça não está nesta lista, mas os suíços são os maiores consumidores de chocolate neste planeta, o que talvez ajude a explicar a confusão.

O mercado global do produto tem números impressionantes: mais de US$ 130 bilhões em 2019, com potencial de crescimento de cerca de 5% até 2024. Por isso, as maiores empresas fabricantes de chocolate mundiais aumentaram investimentos em novos sabores e formatos, graças, em parte, ao aumento da demanda por produtos com menor teor de açúcar e gordura, além da maior procura por marcas de chocolate que usem ingredientes orgânicos. No Brasil, a indústria de chocolate movimenta mais de 5 bilhões de reais ao ano.

Mas é no início da cadeia de produção que historicamente a indústria de chocolate enfrenta seus maiores desafios, mais precisamente na produção de cacau. De acordo com a Organização Internacional do Cacau (ICCO), 9 países (Costa do Marfim, Gana, Equador, Camarões, Nigéria, Indonésia, Brasil, Peru e República Dominicana) respondem por mais de 93% da produção mundial do fruto. Por se tratarem de países com baixos índices de desenvolvimento humano, frequentes denúncias de trabalho análogo à escravidão e exploração de mão de obra de crianças e adolescentes foram sempre um dos pesadelos para a indústria na certificação da produção, especialmente em tempos de ESG, o que tem gerado diversos programas e projetos em todo o mundo.

Desafios no Brasil

Fruto nativo brasileiro, a produção de cacau está concentrada nos estados da Bahia, Pará, Espírito Santo e Rondônia. O Brasil já foi o segundo maior produtor mundial do fruto, com safras de mais de 400 mil toneladas de cacau em meados da década de 1980, mas teve sua produção reduzida para cerca de 100 mil toneladas na década de 2000. A causa? Uma doença conhecida como vassoura-de-bruxa, causada pelo fungo Moniliophthora perniciosa, que provoca deformação, apodrecimento e morte nas partes afetadas dos cacaueiros, que adquirem a aparência de vassouras velhas – daí o seu nome.

Várias iniciativas foram adotadas desde então para combater esta praga, mas o problema não está resolvido e hoje plantas sadias coexistem, lado a lado, com plantas doentes, algo que pudemos testemunhar em visitas a propriedades produtoras de cacau em Ilhéus, sul da Bahia, numa viagem de jornalistas promovida pela Nestlé nos dias 12 e 13 de julho. O cruzamento genético das variedades de cacau resistente é uma das armas para driblar o problema.

aposta no chocolate sustentavel 1 papo reto.2Claudia Sá comanda a Fazenda Boa Sentença

Hoje, o Brasil é o sétimo produtor mundial de cacau e, de acordo com Associação das Indústrias Processadoras de Cacau (AIPC), contribui para a geração de renda para mais de 93 mil produtores, a maior parte deles pequenos proprietários, que praticam a agricultura familiar em áreas que variam entre 5 e 10 hectares, em média. O setor ainda gera cerca de 200 mil empregos, entre diretos e indiretos, em todos os elos produtivos, desde o campo, até chegar às mãos do consumidor final, transformado em chocolates, biscoitos, misturas para bolos, bebidas e até cosméticos. Somos o único país produtor que possui em seu território todos os elos da cadeia produtiva, desde o produtor até o consumidor final.

Quando falamos de sustentabilidade na produção de cacau, os desafios no tripé social, ambiental e econômico são inúmeros, o que explica os grandes esforços da indústria mundial de chocolate para endereçá-los, ao lado de questões também urgentes como emissões de carbono, resíduos plásticos, poluentes, gorduras saturadas e outras.

Consultoria para produção sustentável de cacau

Dentro destes esforços dos fabricantes globais de chocolate em afastar as possíveis crises reputacionais trazidas no início da cadeia e endereçar os desafios da produção sustentável de cacau, destaca-se o Cocoa Plan, da Nestlé, que hoje figura entre a sexta e sétima maior empresa produtora, a depender do ranking e do ano.

O Cocoa Plan é um programa global de sustentabilidade da empresa para a cadeia do cacau que chegou ao Brasil em 2010 e, de lá para cá, diversas ações têm sido desenvolvidas com produtores de cacau, como: treinamentos sobre melhores práticas agrícolas; promoção a igualdade de gênero; orientações sobre cumprimento das leis e normas ambientais, trabalhistas e de direitos humanos. A iniciativa também oferece assistência técnica em todas as fazendas certificadas e paga um valor adicional pelo cacau sustentável adquirido – que varia de US$35 a US$100 de acordo com o fornecedor e a classificação do produtor dentro do Programa. Em 2016, KitKat se tornou a primeira marca de chocolates global a utilizar 100% de cacau com certificado de sustentabilidade e rastreável, fornecido através do programa.

Atualmente, no Brasil, são 1.700 produtores de cacau participando do projeto e a meta é chegar a 3500 produtores certificados até o final de 2022. Nesta viagem, Neo Mondo visitou duas propriedades em Ilhéus que fazem parte da iniciativa promovida pela Nestlé. Uma delas foi a fazenda Boa Sentença, que conta com 300 hectares de cacau e é hoje comandada pela filha de seu fundador, Claudia Sá. A propriedade, que já ganhou diversas premiações pela qualidade da sua produção, faz parte da Agrícola Cantagalo, maior produtora de cacau do Brasil, com 14 fazendas localizadas na região, sendo que 13 fazem parte do Cocoa Plan. Se analisarmos a realidade da produção mundial de cacau apontada pela ICCO, as fazendas visitadas podem ser consideradas exceção na realidade global, por isso mesmo que suas técnicas e tecnologias de produção impressionam, sem contar com o exemplo de liderança feminina de Claudia Sá.

Cientes de que a Cantagalo é exceção, iniciativas como a do lançamento do Manual de Nutrição e Adubação do Cacaueiro são de extrema importância. A publicação é resultado de quatro anos de pesquisas em fazendas cacaueiras localizadas na Bahia e no Espírito Santo, em que técnicos da RR Agroflorestal identificaram oportunidades de aumento da produtividade em diferentes sistemas de manejo e produção de cacau.

“Reunir informações em um manual e orientar o agricultor sobre o manejo de adubação da lavoura é considerado algo inédito e será uma importante contribuição ao cacauicultor brasileiro. O manual permite que o produtor possa fazer o manejo nutricional de forma adequada desde a fase do plantio até a produção, com base nos resultados obtidos na nossa pesquisa”, explica Igor Mota, Head de Agricultura da Nestlé Brasil.

Em 2021, a Nestlé lançou ainda o Theo, um assistente virtual que, via chatbot, responde dúvidas técnicas de agricultores sobre as fases de cultivo do cacau no campo. Por meio de inteligência artificial, mas buscando identificação humanizada com o produtor, o assistente virtual é uma iniciativa inédita para os agricultores e foi programado para responder as dúvidas diretamente pelo WhatsApp, de forma interativa e dinâmica.

Devido a rapidez nas respostas, qualidade do conteúdo e facilidade de uso da ferramenta, o Theo já possui cerca de 1.100 usuários e média de 4.000 acessos mensais. Entre os temas mais acessados estão: clima e solo; adubação, calagem e nutrição; pragas, doenças e plantas daninhas; beneficiamento e agroindústria; genética e propagação; implantação, manejo e rotina e irrigação e fertirrigação.

*Oscar Lopes viajou a Ilhéus a convite da Nestlé.