Desenvolver e preservar: o desafio amazônico

O Brasil, em geral, e a região Amazônica, em especial, vivem sob o escrutínio de agências de desenvolvimento, ONGs ambientais e governos de diversas partes do mundo. Não poderia ser diferente. Afinal, estamos falando de um país que responde por metade das riquezas geradas na América do Sul e de uma região que concentra vastas áreas de floresta tropical, além de abrigar uma das maiores reservas de água doce do planeta. É nesta atmosfera de vigilância e cobrança que vivem, especialmente, os moradores do estado do Amazonas.

Por conta disso, as discussões sobre o desenvolvimento econômico do estado são permeadas por um intenso (e por que não dizer apaixonado) debate ecológico. É que ao mesmo tempo em que gerou riquezas, a criação da Zona Franca de Manaus (ZFM), que viabilizou o Polo Industrial de Manaus (PIM), acabou criando inúmeras distorções. Locais e nacionais.

Por conta disso, muitos dos defensores da ZFM começam a alertar para a necessidade de se buscar alternativas. E as opções de geração de renda passam pela aposta em negócios sustentáveis, tendo por base os ativos da biodiversidade local.

Esta foi uma das conclusões do encontro realizado nesta sexta-feira, 1/4, no auditório do Centro da Indústria do Estado do Amazonas (CIEAM), situado na região central de Manaus. O debate colocou frente a frente os economistas de orientação liberal Marcos Lisboa, diretor-presidente do Insper, e Zeina Latif, da XP Investimentos, e uma plateia composta de empresários que cresceram e se desenvolveram a partir do modelo de exploração econômica do Estado, fortemente dependente de subsídios federais.

Zeina chamou a atenção para o risco de que a prorrogação dos incentivos à ZFM (válidos até 2073) venha a funcionar como um desestímulo para a busca de alternativas. “Os empresários podem ficar acomodados e não colocar em prática uma agenda mais ampla e que gere mais competitividade para a região”.

De fato, o temor existe e é compartilhado por muitos empreendedores.

Alguns deles têm avançado do discurso à prática. É o caso de Edleno Silva de Moura, pesquisador da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e mais conhecido como o Steve Jobs manauara, em alusão ao americano criador da Apple. Ao lado de um grupo de estudantes da UFAM ele fundou a Neemu, dona de um software para gestão de varejo e que foi comprada pela Linx Sistemas por R$ 55 milhões.

“Vendemos a empresa por falta de ambição”, diz Edleno. “Achamos que o valor oferecido era o máximo que iríamos conseguir.” Mas, ao que tudo indica, o misto de professor universitário, pesquisador e empreendedor bissexto aprendeu a lição: “Agora, estamos criando empresas para serem comercializadas por R$ 1 bilhão de reais. Podem me cobrar isso daqui a 15 anos.”

A aposta do jovem manauara também está alinhada com o que defende o grupo político que comanda a administração estadual. Nas palavras do secretário Estadual de Planejamento, Ciência e Tecnologia, Thomaz Nogueira:  “A consolidação da Zona Franca acabou concentrando a riqueza e a população do estado numa área muito pequena”, afirma.

Os números são eloquentes. Em um estado que conta com 62 municípios, a capital reúne 52% da população e responde por 80% do PIB. Para os defensores do modelo industrial, este fenômeno é visto como um benefício. Isso porque, em vez de colocar em risco as florestas, as pessoas estão em Manaus trabalhando. “No meio ambiente estão algumas das maiores apostas e oportunidades para a economia do Amazonas”, pontuou o diretor-presidente do Insper.

Marcos acredita que o modelo da ZFM está próximo do esgotamento, porque não deverá resistir às mudanças sistêmicas que veremos na indústria global, nos próximos anos. “Quem é mais importante no processo econômico, a Apple ou a fábrica asiática que produz o iPhone?”, questionou. Para ele, a estrutura orçamentária e fiscal do Brasil não vai aguentar muito tempo carregar um modelo industrial baseado em pesados subsídios. Tanto na Amazonas, como em outros pontos do país. “Precisamos apostar e nos concentrar naquilo que podemos fazer melhor. E isso vale especialmente para o Amazonas.”

De certa forma, os números mostram que inúmeras iniciativasm tanto empresariais, quanto do governo local têm sido adotadas para reduzir a dependência da economia em relação aos incentivos federais. A começar pelo presidente do CIEAM, Wilson Périco. “O estado não pode continuar sendo refém de Brasília”, afirmou, referindo-se ao peso das decisões das diversas esferas do governo federal nos assuntos da região.

Uma das grandes preocupações do líder empresarial e de seu colegas foi tentar descontruir a áura de vilã que, segundo eles, paira sobre a Zona Franca. Fizeram isso usando um arsenal de números compilados de órgãos federais (abaixo), que mostram que os incentivos são uma realidade na região, mas são infinitamente menores que os concedidos às regiões Sul e Sudeste. “Sabemos das questões ambientais, no entanto não podemos aceitar o `não dá, não pode´”, diz Wilson.

O POLO INDUSTRIAL EM NÚMEROS

  • Faturamento

2011: R$ 68,8 bilhões

2015: R$ 78,4 bilhões

  • Principais produtos (por faturamento/janeiro 2016)

Televisores LCD: R$ 771, 3 milhões

Motocicletas: R$ 508,7 milhões

Tel. Celular: R$ 125,4 milhões

Ar condicionado: R$ 125,4 milhões

  • Mão de obra

2011: 119.985 trabalhadores

2016: 87.251 trabalhadores

  • Arrecadação federal X Verbas federais para o estado (2014)

Tributos federais: R$ 13,7 bilhões

Transferências constitucionais: R$ 3,9 bilhões

  • Renúncia fiscal federal (por região, em 2014)

Sudeste: R$ 134,57 bilhões

Sul: R$ 40,6

Norte: R$ 31,3 bilhões

Nordeste: R$ 29 bilhões

Centro-Oeste: R$ 18,3 bilhões

*O jornalista Rosenildo Ferreira viajou a Manaus a convite da CIEAM

Texto atualizado às 16h, de 5/4