A Jornada ODS Brasil 2030, realizada na quinta-feira (17/5) na sede da green4T, em São Paulo, reuniu alguns dos maiores especialistas brasileiros em questões que são vitais para o desenvolvimento sustentável do país. O evento correalizado pelos sites de notícias Neo Mondo e 1 Papo Reto é o primeiro de uma série de debates cuja ambição é estabelecer um espaço de troca de ideias e experiências entre a academia, o setor público e as empresas. “Nós buscamos privilegiar um formato que permitisse uma conexão entre os palestrantes e a plateia”, conta Oscar Luiz, publisher do Neo Mondo. E isso foi conseguido a partir da interlocução dos participantes da Jornada no concorrido happy-hour, ao final das palestras. "Estamos chegando ao ponto de inflexão da Agenda 2030 e cada momento é crucial. Eventos como este trazem celeridade para a agenda, além de promoverem uma rica troca de experiências e conhecimentos. Juntos, podemos acelerar e transformar nossas ações em resultados tangíveis”, destacou Roberta Tiso, diretora de Sustentabilidade e Comunicação da green4T.
Desde a concepção do projeto, o grande desafio era escolher entre os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (17 ODS) aqueles que seriam enfocados nessa primeira edição. Além, é claro, de conciliar as concorridas agendas dos palestrantes selecionados. “Optamos por seguir o modelo TED Talks, no qual a palestra funciona como um aperitivo para despertar a atenção do público e incentivá-lo a se tornar parte da solução”, destaca o jornalista Rosenildo Ferreira, editor de 1 Papo Reto.
Ao longo de cerca de duas horas, a plateia formada por executivos, consultores e estudantes, acomodados no espaço de inovação da green4T – situado no 24ª andar do imponente Business Tower, na região da avenida Berrini – acompanhou atentamente as falas de acadêmicos e executivos de empresas privadas. Para aquecer o público e “colocar todos na mesma página”, Camila Valverde, COO e diretora da Frente de Impacto do Pacto Global da ONU – Rede Brasil, fez uma explanação destacando a importância dos ODS e como o setor produtivo, em especial, e a sociedade, em geral, têm colaborado para o atingimento das metas. “Os desafios são muitos, mas estamos mostrando à sociedade que cada pessoa ou empresa, independentemente do porte, pode dar a sua contribuição”, disse.
A Rede Brasil do Pacto Global já conta com 2.223 empresas filiadas, despontando como a segunda maior do mundo, atrás da Europa, e a maior das Américas. Suas iniciativas estão espalhadas em 10 Movimentos, que cobrem questões econômicas, ambientas, sociais e de governança, sintetizadas na sigla ESG.
Dos mares, o melhor!
“O Brasil possui uma espécie de Amazônia Azul ainda muito pouco explorada”, com essa frase, o professor-doutor Alexander Turra, representante da cátedra da Unesco para a Sustentabilidade do Oceano deu início à sua palestra. Ele exibiu um mapa do Brasil que inclui as 200 milhas náuticas, reconhecida internacionalmente como sendo de domínio do país, a partir do qual enumerou o potencial econômico e de serviços ambientais prestados.
“A economia do mar tem um potencial de gerar o equivalente a 19% do Produto Interno Bruto (PIB), montante semelhante ao do agronegócio, com a vantagem de que não precisa de água, nem de terra ou agrotóxico”, disse, referindo-se à faixa litorânea de 3,5 milhões de km². Além da necessidade de preservação e conservação, o especialista destacou a importância de estudos que ajudem a elaborar planos de manejo sustentável para a pesca, além de um mapeamento mais amplo de todas as potencialidades do ecossistema.
professor-doutor Turra, da USPPara acelerar este trabalho, Turra conta com um processo de advocacy global que, no Brasil, é liderado por ele. Esse movimento ganhou força a partir de 2021, quando a ONU instituiu a Década dos Oceanos. Neste contexto, ele defendeu, ainda, a emissão de Blue Bonds títulos financeiros destinados a bancar estudos, pesquisas e projeto sustentáveis de exploração marinha.
Mobilidade cada vez mais elétrica
A partir daí, o debate aterrissou no asfalto das metrópoles, a partir da explanação de Eleonora Pazos, diretora da Divisão América Latina da Associação Internacional de Transportes Públicos (UITP). Mais que apenas mobilidade, uma malha eficiente de transportes também colabora para a qualidade de vida e a saúde das pessoas. Afinal, a poluição é a quarta maior causa de mortes em todo o mundo, segundo estudos da USP. “É neste contexto que a eletrificação de frota de ônibus urbanos tem um papel de destaque”, pontuou Eleonora.
Ela discorreu sobre duas experiências icônicas: Dubai e Santiago para mostrar os impactos de uma malha de transportes bem planejada, abundante e eficiente. A capital do Chile foi mostrada como exemplo para o Brasil, porque vem conseguindo, em tempo relativamente curto, converter a frota para veículos elétricos, os ebus. “A Região Metropolitana de Santiago possui uma população muito parecida com a da cidade de São Paulo e, a partir de investimentos mais modestos avançou muito nesta agenda”.
Tanto a mobilidade quanto os demais aspectos da sustentabilidade dependem substancialmente de um parque produtivo focado na inovação e na exploração consciente de recursos. E para isso é vital que existam fontes de financiamento a custo competitivo, destinadas a bancar a transição. Um dos caminhos destacados pelo cofundador e CEO da Scipopulis, Roberto Speicys, é o PAC Seleções, anunciado recentemente pelo governo federal cuja previsão é investir R$ 18,3 bilhões na melhoria na qualidade de vida das cidades brasileiras. O foco serão obras de infraestrutura urbana capazes de movimentar um maior volume tanto de cargas quanto de pessoas.
Ele também destacou o papel da conectividade neste processo. Não apenas para o setor produtivo, como também para as pessoas. A inclusão tecnológica é vista pelo empreendedor e PhD em Ciência da Computação pela Universidade Paris 6 (Sorbonne), como sendo um elemento importante neste debate. “Neste quesito o Brasil já está bem avançado, pois possui uma boa cobertura de sistema de telefonia 4G”, destacou.
Preservação com ganhos financeiros
Ao longo dos séculos, o setor industrial vem crescendo e se desenvolvendo a partir do impulso dos combustíveis fósseis (petróleo e gás natural). O problema é que o uso intensivo de matérias primas emissoras de carbono aliado a uma política leniente dos recursos ambientais (derrubada de florestas, por exemplo), acabaram gerando problemas colaterais. O principal deles é o aquecimento global causado pela emissão de gases que causam o efeito estufa.
A solução mais rápida, apontada por cientistas, é a descabonização do processo produtivo. E isso pode ser feito a partir da conversão da matriz energética para fontes renováveis (solar, eólica e hídrica, por exemplo). E é exatamente neste ponto que reside a estratégia de sustentabilidade de setores intensivos em capital e cujos projetos possuem longo tempo de maturação. De acordo com a diretora global de Negócios para Energia e Mudanças Climáticas da Dow, Cláudia Schaeffer, este é um processo complexo e que vem exigindo muitos investimentos. “Nossas estruturas produtivas são concebidas para operar por 30 anos, por isso, precisamos avaliar com cuidado cada passo que damos nessa direção”, conta. “
A estratégia de descarbonização da Dow está focado na mudança radical de sua matriz energética. Nesta equação, o hidrogênio terá um papel de destaque, conforme indicado no gráfico abaixo.
O bem-estar das pessoas
A vida marinha, a gestão racional e ambientalmente responsável da produção e dos transportes são importantes para o equilíbrio do ecossistema planetário. Afinal, tudo está interligado. Contudo, não se pode perder de vista que no centro dessa questão estão as pessoas. E foi a partir deste ponto que a diretora de Responsabilidade Coorporativa e Direitos Humanos da L´Oréal Brasil, Helen Pedroso, centrou sua fala sobre os ODS 5 (igualdade de gênero) e 10 (redução das desigualdades dentro dos países e entre eles).
De imediato, ela anunciou os esforços da subsidiária no acolhimento e assistência dos afetados pela catástrofe climática no Rio Grande do Sul. “Conseguimos que o Fundo de Emergência Climática, gerido globalmente pela L´Oréal, liberasse R$ 1 milhão, além disso, doamos 390 mil produtos de higiene”, contou. A iniciativa é feita em parceria com a Central Única das Favelas (CUFA).
Mas não é apenas no atendimento emergencial que está centrado o trabalho da gigante francesa de produtos de beleza. A área liderada pela executiva abarca boa parte dos compromissos firmados pela L´Oréal em diversos fóruns nacionais e globais, sintetizados na Agenda de Impacto Social. A começar pelo pilar Diversidade, Equidade e Inclusão (DE&I) que tem nas mulheres, em geral, e nas afro-brasileiras, em particular, um de seus grandes focos. É neste ponto que Helen pede licença à plateia para falar da própria trajetória. “Eu sou fruto das oportunidades que recebi ao longo de minha jornada”, destaca. Hoje, as afro-brasileiras (a soma de autodeclaradas pretas e pardas) representam 45% do contingente da subsidiária, das quais 21% ocupam posições de liderança.
Da porta para fora, esse mesmo propósito de privilegiar as mulheres é seguido à risca e tem como mote o conceito de Inclusão Produtiva, por meio do Fundo L´Oréal para Mulheres, que pretende beneficiar 13 mil brasileiras, até 2026. Outras iniciativas incluem a formação profissional além do envolvimento em projetos sociais, a partir de ações de voluntariado ou destinação de recursos.
Aposta na consciência dos jovens
Apesar de não ter feito referência ao adágio celebrado pelo economista Delfim Netto: A parte mais sensível do corpo humano é o bolso, o sócio diretor da GSS Carbono e Bioinovação e da VBIO – Vitrine da Biodiversidade Brasileira, Paulo Zanardi Jr., destacou os dividendos financeiros advindos do ODS 13, que sintetiza as ações para combater as alterações climáticas e seus impactos. Dados mais recentes, relativos ao ano de 2022, indicam perdas mundiais de US$ 343 bilhões por conta de catástrofes naturais. No Brasil, as enchentes e as estiagens trouxeram perdas de US$ 4,2 bilhões e US$ 1,3 bilhão, respectivamente.
O cenário, sem dúvida, alarmante e que precisa ser combatido com vigor. Mas, para isso, é preciso de vontade política e engajamento da população, especialmente dos mais jovens. “Felizmente os números mostram que este contingente está cada vez mais consciente acerca do problema”, diz. “Muitos já colocam a questão da sustentabilidade no centro de sua decisão de consumo, por exemplo.”
Segundo ele, esse ativismo também tem contaminado investidores, que passaram a considerar inventários de carbono das empresas em suas decisões de alocação de recursos. De acordo com a consultoria Carbon Disclosure Project, no período 2002-2022 subiu de 228 para 18.760 o número de corporações que divulgavam seus relatórios de emissões.
Mas se é verdade que muitas das grandes empresas já seguem essa trilha, também é fato que as médias e pequenas possuem dificuldades para aderir à agenda. “Muitas vezes é apenas uma questão de desconhecimento”, destaca Zanardi Jr., cuja consultoria está inserida em um processo de divulgação massiva de oportunidades referentes as adaptações às mudanças climáticas.
E esse propósito é irmanado pelos organizadores da Jornada ODS Brasil 2030 que esperam levar adiante o projeto, incluindo os demais ODS neste formato de troca de ideias e disseminação de iniciativas exitosas. Afinal, muito melhor que apontar o que não está certo é, sempre que possível, abrir espaço para mostrar o que está dando certo e que pode ser compartilhado com a academia, o setor público e a iniciativa privada.
Legenda da foto que abre o texto: (De cima para baixo e da esquerda para a direita, painelistas e realizadores do evento) Rosenildo Ferreira (1 Papo Reto), Helen Pedroso (Grupo L’Oréal no Brasil), Eleonora Pazos (UITP), Roberta Cipoloni Tiso (green4T), Paulo Zanardi Jr. (GSS Carbono e Bioinovação), Eleni Gritzapis (EG8 Comunicação), Cláudia Schaeffer (Dow Brasil), Roberto Speicys (Scipopulis), Camila Valverde (Pacto Global da ONU-Rede Brasil) e Oscar Lopes (Neo Mondo) – Imagem: Carlos Souza
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