Depois de fazer o som, agora está na hora de ganhar dinheiro

Depois de fazer o som, agora está na hora de ganhar dinheiro

Foi nas periferias e nos guetos de grandes metrópoles dos Estados Unidos, da Europa e da América do Sul que nasceu boa parte dos ritmos musicais que enriqueceram donos de gravadoras e fizeram milhões de pessoas balançarem o corpo. Como fenômeno de massa, um importante marcador foi o rock`n´roll que, a partir do final dos anos 1940, ajudou a colocar a indústria fonográfica em um outro patamar. Graças às suas inúmeras variantes, o gênero ganhou musculatura global e dominou a cena por quase 70 anos.

Nos últimos 10 anos, no entanto, a maré começou a virar. Em 2017, o rock perdeu o trono para outros ritmos igualmente vindos da periferia, como o hip hop, o trap, o afro beat e o reggaeton, apenas para citar os mais conhecidos. E, ao que parece, o bom e velho rock´n´roll terá muita dificuldade para recuperar a coroa.

Para entender essa guinada é preciso lembrar de fatores importantes que sacudiram as estruturas do show business. A tecnologia, sem dúvida, teve um papel de destaque, pois permitiu que cantores, músicos e produtores de qualquer parte do mundo tivessem acesso à audiência global. O rapper porto-riquenho Bad Bunny é caudatário desse processo. Nascido Benito Antonio Martinez Ocasio, ele foi o artista mais tocado no mundo em 2020 e 2021. Somente no ano passado, foram 43 milhões de downloads mensais de suas músicas no Spotify. Detalhe: ele canta em espanhol!

Diferentemente de sucessos instantâneos que colam como chiclete em nossa mente (leia-se Macarena, Despacito, Volare e outras não cantadas em inglês, que atingiram o topo da Billboard Hot 100), o trabalho do rapper porto-riquenho é consistente e veio para ficar. E quem diz isso são seus 40 milhões de fiéis seguidores amealhados nessa plataforma.

A trajetória de Bunny se confunde com a de outros tantos jovens das periferias globais, que têm sabido usar as ferramentas tecnológicas ao seu favor. E isso também vale para o Brasil. Apesar do absoluto domínio do ritmo sertanejo e seus derivados (o pop e o universitário), o funk carioca é o segundo ritmo mais baixado no Spotify. Tanto o porto-riquenho quanto os MCs das comunidades do Rio de Janeiro começaram na cena independente, “subindo suas músicas” em plataformas colaborativas e gratuitas, como Soundcloud. No total, estima-se que o acervo das bibliotecas de áudio (Deezer, Spotify entre outras) contenha 60 milhões de músicas.

Da Bahia para o mundo

coliga producoes vale do dendeCamila, sócia e diretora-executiva da Coliga Produções Apesar da crise econômica, sanitária e social que eclodiu no rastro da pandemia de Covid-19, uma parte do setor de entretenimento continuou crescendo. A indústria da música é uma delas. Somente com direitos autorais por execução pública foi arrecadado R$ 1,08 bilhão, em 2021, ante os R$ 905 milhões, do período anterior. Nesta seara, os produtores e artistas independentes têm conquistado cada vez mais espaço. Prova disso é que esse contingente é responsável por 53,5% do TOP 200 diário de músicas baixadas no Spotify, de acordo com pesquisa da Associação Brasileira de Música Independente (ABMI), com base nos números de 2019.

Muitas dessas potências independentes nasceram ou se desenvolveram na Região Metropolitana de Salvador. A lista é grande e inclui fenômenos já consolidados aqui e lá fora, como Leo Santana, Baco Exu do Blues, Psirico, BayanaSystem e ÀTTØØXXÁ, além de artistas emergentes como Raonir Braz e Luedji Luna. E no que depender de Camila Brito, fundadora e diretora-executiva da Coliga Produções, as mulheres terão cada vez mais destaque na cena musical soteropolitana.

A começar por Iane Gonzaga, compositora, musicista e coidealizadora da plataforma Batida das Pretas (veja mais detalhes no final desse texto). “A Coliga Produções foi criada em 2019 com o objetivo de atuar por um protagonismo negro e indígena na cena musical, com foco nas mulheres, gênero que continua invisibilizado”, conta Camila. “Na edição deste ano do Festival Batida das Pretas pretendemos proporcionar ao público uma imersão na produção musical de mulheres pretas e indígenas de todo o Brasil.”

A Coliga integra a lista de 20 produtoras (15 de áudio e cinco de podcast) selecionadas pelo edital de Incubação de Produtoras de Áudio lançado em setembro de 2021, pela Aceleradora Vale do Dendê. Na sexta-feira (18/2), Camila foi uma das empreendedoras e empreendedores que fizeram o pitch no Demo Day, transmitido a partir da sede da Aceleradora, na Estação Lapa, em Salvador. Por conta da pandemia, o evento aconteceu no formato digital, mas nem por isso foi menos vibrante.

Ao longo do percurso de três meses, os empreendedores tiveram acesso a consultorias nas áreas jurídica, contábil e marketing, além de mentorias individualizadas. “Boa parte dessa galera está correndo para fazer as coisas acontecerem, principalmente durante esse período de pandemia, que afetou de forma significativa o setor cultural. Então as questões mais administrativas, desde a abertura de um CNPJ (mesmo que MEI) às questões fiscais e financeiras, acabaram ficando um pouco em segundo plano”, destaca Ana Cristina Araújo, gerente de operações da Aceleradora Vale do Dendê. 

dr dende demo dayDrº Dendê é o personagem criado pelo podcaster Vagner Rocha

Pelo que se viu e ouviu nos pitches (o vídeo pode ser acessado no link abaixo), a jornada garantiu inúmeros aprendizados, além de um reforço de caixa que será usado para tirar algumas ideias do papel. É que o próximo passo do processo de Incubação será a alocação da verba de fomento, definida em R$ 50 mil para cada uma das 15 produtoras de música, e R$ 20 mil, para as cinco de podcast. Montante que chega em um momento oportuno, de acordo com o podcaster Vagner Rocha, o Drº Dendê. 

Doutorado em Estudos Étnicos e Africanos pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Vagner criou o podcast Viagem Gastronômica, em 2020, com o intuito de divulgar e valorizar os saberes da culinária afro-baiana. O que começou como uma ação entre seis amigos – que dividem as tarefas de pesquisa, produção e sonorização do podcast e dos guias culinários –, se tornou um negócio com bastante visibilidade na mídia local e audiência cativa até no exterior: Austrália, Estados Unidos, Portugal e Suécia.

“A Aceleração foi a possibilidade de impulsionar o podcast que começamos a fazer de forma intuitiva, sem um planejamento tão definido, sem um modelo de negócio nem estratégias de marketing. Nesse sentido, o programa de incubação da Vale do Dendê foi uma oportunidade única de repensar os caminhos do Dr. Dendê”, destaca. O empreendedor já definiu como usará a verba de R$ 20 mil. “Vamos investir em pesquisa para conhecer o perfil do público, melhorar a qualidade das gravações e financiar a nova série intitulada Afro-Empreendedoras do Sabor.”

O olhar da Aceleradora Vale do Dendê para a indústria musical baiana não deve se limitar à incubação. Além de estar prevista mais uma rodada para 25 produtoras (15 de música e 10 de podcast), devem ter novidades em relação à infraestrutura, com a criação de um hub dedicado ao setor. “Queremos oferecer às produtoras de áudio da cidade um espaço maker, onde poderão se reunir, realizar gravações, lives e, quiçá, shows”, adianta Ana Cristina Araújo, gerente de operações da Aceleradora Vale do Dendê. “Estamos prospectando um local, ainda não podemos passar mais detalhes, mas acredito que será algo que todos vão querer conhecer e aproveitar bastante tudo que teremos a oferecer.”

 


Saiba mais 

Sobre o crescimento do Funk Carioca

Sobre a arrecadação com veiculação de música, no Brasil

Sobre o que rolou na Demo Day

Sobre a plataforma Batida das Pretas

 

Fotos:

Imagem de Bad Bunny (divulgação)

 

As outras reportagens dessa série:

Salvador recebe investimentos...

A economia do som: podcasters e músicos...

 

Nota do Editor: 

Com este texto, chega ao final a série de reportagens que o portal de notícias 1 Papo Reto produziu e está publicando em suas redes sobre a cena musical da Região Metropolitana de Salvador. O material é fruto da parceria entre o portal e a Vale do Dendê, com o intuito de ajudar a aumentar a visibilidade dos empreendedores de música e podcast para além das fronteiras de Salvador.