Mídias periféricas do Nordeste trazem o olhar do dia a dia para a imprensa

 Mídias periféricas do Nordeste trazem o olhar do dia a dia para a imprensa

A gente não tem o fenótipo do indiozinho da turma da Mônica e isso não vende”, disse Bia Pankararu sobre a falta de cobertura jornalística em comunidades indígenas de Pernambuco, durante o painel “Território como meio e mensagem da comunicação posicionada” no terceiro e último dia do Festival FALA, que acontece em Recife.

Na ocasião, a comunicadora indígena do povo Pankararu contou sobre sua frustração em meio à falta de divulgação da cultura e dia-a-dia de seu povo por governantes, escolas e veículos de imprensa. Bia disse que criou seu próprio portal no Instagram, em 2018, para denunciar violências sofridas por sua comunidade.

“Quando você sai da sua casa pra abrir a boca, pra falar o que está acontecendo por lá, é porque tem outras pessoas passando pela mesma coisa” ela disse. “E é um processo muito dolorido”.

Já Gilmara Santos, diretora e apresentadora do Programa Voz do Axé, também presente no painel, disse que o desafio de seu portal é quebrar o ciclo das chamadas grandes mídias, que apresentam as periferias de Salvador como locais violentos. Sua equipe foca em promover a cultura, as personagens, e os líderes dos terreiros de candomblé por meio de lives, vídeos, textos e redes sociais.

Mas mesmo tentando não falar de violência, Gilmara disse que o time do portal e seus simpatizantes são confrontados quando realizam seus rituais nas ruas ou nos próprios terreiros na periferia da capital baiana.

“O meu medo, hoje, e a minha dor é saber que tem Ialorixá junto com o programa Voz do Axé correndo risco de vida também”, contou Gilmara.

Edson Fly, o terceiro convidado do painel e fundador do Núcleo de Comunicação Caranguejo Uçá, disse que seu veículo de mídia também é vítima da violência ao fazer a cobertura de pautas, como a Marcha da Maconha, estigmatizada por parte da sociedade e reprimida pela polícia. Para ele, é preciso vivenciar a realidade de grupos periféricos para contar a história completa.

fotovini(a partir da esq.) Giovanna Carneiro, jornalista da Marco Zero, Gilmara, Bia e Flay - Foto: Vinicius Martins

“É porrada, não é brincadeira. É adoecedor porque são muitos desafios”, Fly disse. “A nossa ideia não é só falar de violação de direitos, sentimos a necessidade de viver essa violação para sentir na pele o que essas pessoas falam”.

No segundo painel do dia, a jornalista Flavia Lima, a pesquisadora e professora de jornalismo Fabiana Moraes e a professora e advogada Thula Pires discutiram como tornar a cobertura das chamadas grandes mídias mais acessível à população geral.

Para Fabiana, os jornais precisam trabalhar mais nas redes sociais, explicar assuntos complexos por meio de quadrinhos e vídeos e quebrar alguns vícios narrativos, como a “dramaturgia” presente em reportagens sobre política.

“Existe uma fórmula de narrar política no Brasil que se dá através de uma estrutura de dramaturgia (com mocinhos e vilões)”, ela disse. “Logo quando saiu essa possível chapa de Lula e Alckmin, a imprensa começou a resgatar notícias (sobre a rivalidade dos dois). Esse tipo de cobertura vai minar a fé da população na política”.

Já Thula acredita que os jornais precisam explicar melhor termos técnicos, procurar fontes mais diversas e contextualizar melhor as questões por trás dos assuntos do momento.

“A gente se distrai no melodrama de quem fez o quê e perde a oportunidade de dizer o que está em jogo, o que se perde”, Thula disse. “(Ao lermos uma reportagem é preciso saber), o que está em jogo? O que caberia à autoridade fazer e não foi feito?”.

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Flavia, cuja função é promover a diversidade no jornal Folha de São Paulo, acredita que matérias complexas e detalhadas são importantes para aqueles leitores que têm um conhecimento básico sobre assuntos e interesse em saber mais, mas reconhece que os repórteres podem se perder no juridiquês.

“Desde o treinamento, você aprende e absorve [termos complexos] e reproduz de maneira automática”, disse Flavia.

Ela disse que o jornal enfrenta desafios para levar reportagens relacionadas a diversidade para seus leitores, já que essas reportagens tendem a não ter boas métricas de audiência, mas que acredita na importância do programa de trainees do jornal, que tem alguns grupos de alunos exclusivamente negros, como caminho para tornar as pautas do jornal mais diversas. “Fazer uma cobertura mais ampla, que ouça mais gente, é bastante importante”, disse Flavia.

O Festival FALA, com painéis, oficinas, performances de artistas locais e rodas de conversa, aconteceu até sábado (23). Gratuito e aberto ao público, ele reuniu pessoas interessadas na discussão do jornalismo de causas e no trabalho de coletivos de comunicação.

 

A foto que abre esta reportagem é de autoria de Manuela Silva 

 

Isabela Rocha

Autor: Isabela Rocha

Sobre o/a Autor(a) Isabela Rocha é jornalista freelancer. Apaixonada por escrita, comunicação e justiça social, seu sonho profissional é trabalhar para o avanço da igualdade de gênero e do combate ao racismo. Ela acredita no poder democrático das notícias e sempre busca contar histórias relacionadas à diversidade para normalizar a vida de minorias sociais.


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