Um (outro) futuro. Melhor e mais plural

Nos últimos 15 anos, um grupo de empreendedores paulistanos vem conseguindo colocar de pé uma série de projetos que têm a cultura negra como fio condutor. A face mais visível dessas iniciativas é a Feira Cultural Preta, criada pela empreendedora social Adriana Barbosa, fundadora da Preta Multimídia. O evento reúne moda, cultura e negócios e faz parte do calendário oficial de eventos da cidade de São Paulo.

Em sua 14ª edição, no entanto, a Feira começa assumir uma nova dimensão. Tanto no formato de suas atrações como em seu modelo de negócio. É que além de valorizar os atributos que garantiram a longevidade do evento, seus organizadores lançaram, também, um olhar muito aguçado para além dos limites da cidade de São Paulo. O objetivo é estabelecer uma ponte com o futuro.

O resultado desta ambição pode ser conhecido a partir das 21h de hoje (sexta-feira, 11/12) e ao longo de todo o fim de semana. Tudo começa com a cerimônia de entrega do Prêmio Movimentos Criativos. Trata-se de uma iniciativa que vai reunir, no palco do Auditório do Ibirapuera, 27 jovens talentos afro-brasileiros na faixa etária entre 15 anos e 35 anos. Vindos de todas as regiões do País, eles concorrem ao troféu em nove categorias: Artes, Bem-Estar, Conhecimento, Criação, Esportes, Legado, Negócios, Pérola Negra e Digital.

Tive a honra de atuar como curador da categoria Negócios e confesso que ajudar a escolher 27 dos cerca de 70 indicados foi uma tarefa árdua. Tanto em função das horas que gastamos analisando o trabalho de cada um deles, como também debatendo a densidade das iniciativas. Mas não me lembro de ter feito algo tão gratificante assim.

Ao que parece, este sentimento é compartilhado pelos organizadores. “Conseguimos reunir um número incrível de jovens inovadores em diversos campos do saber”, avalia Fabio Amarantes, mais conhecido como Xangô, e fundador da Zaion Criações. Publicitário de formação, ele integra o “núcleo duro” de empreendedores responsáveis por tocar a Feira Preta. Nesta tarefa ele conta com o auxílio de Adriano Lima de Jesus, controlador da Ayô Produções.

Aliás, foi durante uma conversa telefônica entre Adriana e Xangô, no início de junho, que nasceu a ideia do Prêmio. “Conseguimos colocar essa iniciativa de pé em tempo recorde”, avalia o publicitário. Um dado curioso surgiu logo na primeira reunião entre os empreendedores e os executivos do Itaú Cultural – o gestor do Auditório do Ibirapuera e também o patrocinador da iniciativa. No momento em que fazia sua apresentação, o trio foi surpreendido com a sugestão de que fosse incluído o componente racial no nome do projeto. Foi aí que o Territórios Criativos se tornou Territórios Afro Criativos. “Quase chorei”, recorda Adriana. “Confesso que levei alguns dias para processar o que estava acontecendo.”

A surpresa é compreensível. Afinal, ao longo dos últimos 15 anos, Adriana foi “aconselhada” por diversos interlocutores do mundo corporativo a retirar a designação “preta” de seu evento. Algo que ela jamais cogitou em levar adiante. “A Feira Preta nasceu com o objetivo de promover as manifestações artísticas e os negócios de um segmento específico da sociedade brasileira”, justifica. “Trata-se de um espaço inclusivo e que abriga todas as pessoas que se identificam com a cultura negra, independentemente da cor de sua pele.”

Mais que uma vitória pessoal, a criadora da Feira Preta enxerga nesse movimento um processo de valorização dos afro-brasileiros como protagonistas de suas próprias histórias e iniciativas. Por meio do movimento Territórios Afro Criativos, o trio espera dar visibilidade a iniciativas de todos os cantos do Brasil.

No entanto, as mudanças no projeto da Feira não deverão se resumir à promoção e à realização do Prêmio Movimentos Criativos. A ambição do trio é transformar o Parque do Ibirapuera num território da criatividade, da inovação e do debate sobre a cultura afro-brasileira. O tempo exíguo, de apenas cinco meses entre a decisão de atualizar o modelo da Feira Preta e a realização do evento, acabou inviabilizando que todas as ideias saíssem do papel. Por isso, podemos esperar mais algumas novidades para 2016.

“Nosso objetivo é adicionar ao evento uma plataforma de debates”, adianta Mafoane Odara, coordenadora de curadoria do Prêmio. O modelo para os debates será a plataforma TEDx, acrônimo para Tecnologia, Entretenimento e Design que, desde 1990, reúne em diversos países algumas das melhores cabeças pensantes do planeta. O “TEDx Black” imaginado por Mafoane será uma das ferramentas destinadas a difundir a cultura empreendedora dos jovens afro-brasileiros em diversas áreas. Da ciência aos negócios, passando pela religião e pelas iniciativas no campo social.

Mestre em psicologia social pela Universidade de São Paulo (USP) e especializada na condução de processos de interlocução entre o setor público e o privado, coube a Mafoane o papel de fazer a “costura” entre os curadores, além de supervisionar a qualidade do processo.

Os critérios que nortearam a seleção dos indicados foram relevância, inovação e a abrangência da iniciativa. “Meu grande desafio foi construir este trabalho em poucas semanas, e harmonizar todas as demandas dos curadores”, conta.

Do meu posto de observador privilegiado (afinal atuei como curador na área de Negócios e participei da seleção e da definição dos vencedores), posso garantir ao caro leitor que foram cumpridas todas as ambições desse belo projeto. Não porque um grupo composto por profissionais liberais, professores universitários, artistas e empreendedores garimpou 70 mulheres e homens criativos, inovadores e, acima de tudo, donos de um elevado senso de cidadania.

Mas, fundamentalmente, pela certeza de que existem, em todos os rincões deste Brasilzão mais de uma dezena de milhares (e por que não dizer milhões!) de jovens construindo, agora, um novo futuro. Mais justo, mais plural e mais desenvolvido. Para todos os brasileiros.

Ou, como pontuou o publicitário Xangô, na noite de quinta-feira (10/12), no encontro que reuniu os indicados, seus familiares e os organizadores do evento: “Vocês já são grandes e já fazem coisas grandes. Nossa função aqui é apenas ajudar a dar visibilidade ao trabalho de vocês”.

SERVIÇO:

O que: Prêmio Movimentos Criativos
Quando: 11/12
Onde: Auditório do Ibirapuera (Av. Pedro Álvares Cabral, s/nº – Vila Mariana – São Paulo)
Quanto: Entrada franca (com distribuição de ingressos, a partir das 18h30min)
Site do evento: Territórios Afro Criativos
Informações: (11) 3629 1075