No dia 7 de janeiro, o Brasil comemorou o Dia do Leitor. A data está mais para refletir sobre os hábitos de leitura do brasileiro do que para celebrar. É o que aponta a pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil”, realizada em 2024 pelo Instituto Pró-Livro, em sua 6ª. edição. O levantamento registra, nos últimos quatro anos, uma redução de 6,7 milhões de leitores no país. Entre os entrevistados, 53% não leram, sequer, parte de um livro impresso ou digital de qualquer gênero nos três meses antes da pesquisa. E como o começo de ano é sempre um bom motivo para as novas resoluções, que tal colocar a literatura entre elas?
Na contramão desse cenário, 1 Papo Reto descobriu em São Roque, interior de São Paulo, duas leitoras vorazes e conversou animadamente com essa dupla de mãe e filha, que lê no mínimo 10 livros por mês cada uma – a mais pura inspiração para quem quer criar o hábito da leitura e conhecer os inúmeros benefícios que essa prática proporciona. A entrevista foi com Denise Corrêa, carioca, 69 anos, psicopedagoga, e sua filha Talita Mendonça, 43 anos, jornalista, atriz e responsável pela Biblioteca da EMEF Barão de Piratininga em São Roque, onde mantém um Clube de Leitura.
Então, mire-se no exemplo dessas duas mulheres de São Roque, deixe a preguiça de lado, desgrude da tela do celular e entregue-se a essa aventura sem volta.
Há quanto tempo você adquiriu o hábito da leitura? Esse costume veio de sua educação familiar ou surgiu espontaneamente, por conta própria?
Denise: Sempre gostei de ler e incentivei as minhas filhas para a leitura. Na nossa casa há livros espalhados por todos os cômodos e vários Cantinhos da Leitura: no quarto, na sala, na rede do quintal. Tenho na memória o meu pai com um livro na mão, mas não havia, naquela época, um direcionamento para criar esse hábito. Creio que descobri sozinha o gosto pela leitura e nunca mais abandonei.
Talita: Desde que aprendi a ler, com 4 anos e meio, é um hábito que me acompanha e, certamente, muito influenciado pela minha família. Existe uma dinâmica chamada `Caminhada dos Privilégios´ que me fez ver o quanto fui privilegiada. Nela, a pessoa dá um passo para frente a cada privilégio que tem ou teve. Um dos itens é crescer em uma casa com mais de 50 livros. Eu fui criança e adolescente em uma casa que tinha muito mais do que 50 livros. Lembro da casa dos meus avós, com as estantes repletas de livros e dos meus pais lendo e conversando sobre livros para as filhas ainda pequenas, trazendo-nos gibis da Turma da Mônica e livros para nos motivar.
Você tem uma meta de leitura?
Denise: Sim. Dez livros no mês. Tento ler 100 páginas por dia. Nem sempre consigo, mas compenso nos dias seguintes.
Talita: A minha meta é ler pelo menos 10 livros e 2000 páginas por mês (para garantir que eu leia livros de 200 páginas em média). Também procuro ler 100 páginas por dia, mas isso é mais difícil. Em 2024, terminei o ano com uma média de 90 páginas lidas por dia.
Você compra os livros ou frequenta biblioteca onde retira, lê e devolve?
Denise: Eu compro (não tanto quanto gostaria), mas também ganho muitos da Talita. Em São Roque tem um chaveiro que mantém em seu estabelecimento uma estante com muitos livros para troca e empréstimo e eu costumo ir lá. Assim, as obras vão circulando.
Talita: Ambos. Compro livros sempre que encontro preços bons, mas também para presentear a família (mãe, irmã e cunhado) e acabamos trocando entre nós, pois todos gostam de ler. Além disso, como eu trabalho em uma biblioteca, acredito que só consigo desempenhar bem minha função se conhecer o acervo. Assim, estou sempre lendo os livros dela, principalmente as doações que recebemos. Gosto de ler antes de cadastrar, para entender melhor como trabalhar com ele, para quem indicar, se é um bom livro para explorar no Clube de Leitura, etc.
Você lê o lívro físico (impresso), no kindle ou no celular?
Denise: Sempre físico. Gosto do cheiro do livro, do ato de virar página por página.
Talita: Se eu não viro as páginas do livro impresso, tenho a impressão de que não estou lendo. Confesso que já tentei ler em PDF, mas foi uma experiência que me incomodou. Entendo que o kindle é excelente e ajuda muitas pessoas que querem manter um hábito de leitura, mas ainda prefiro carregar um livro físico de 800 páginas na bolsa.
Qual o estilo de leitura mais te atrai?
Denise: Não gosto do gênero terror. Fora isso, leio de tudo, preferencialmente romances, suspense policial e livros espíritas.
Talita: Eu leio de tudo, mas, se tivesse que escolher só um estilo, seria terror, os meus preferidos. Gosto muito de suspenses e de literatura brasileira também.
Você lê o livro até o fim mesmo que não esteja apreciando a leitura ou, nesse caso, desiste no meio?
Denise: Nunca desisto de um livro, por respeito ao autor. Acredito que, em alguma de suas páginas, haverá algo bom.
Talita: Por pior que seja, não abandono um livro. Sempre me iludo acreditando que em algum momento vai melhorar. Por me recusar a desistir da leitura, tem livro que eu demoro muito tempo pra ler. Nesse caso, vou intercalando com outros bons, até finalizar.
Você lê vários livros simultaneamente ou se concentra em apenas um, até terminar, para depois iniciar outro?
Denise: Um de cada vez. Vou até o final para então iniciar outro.
Talita: Prefiro ler apenas um, mas algumas vezes esqueço de levar um livro comigo e acabo começando outro. Se estou no trabalho, pego um da biblioteca, ou se vou pra casa da minha irmã, leio algum outro dela. E assim, acabo lendo mais de um ao mesmo tempo.
Talita, você disseminou o hábito da leitura para suas sobrinhas Martina e Olívia, gêmeas de 7 anos. Como dar esse exemplo às crianças para que elas se apeguem a esse hobby desde pequenas?
Talita: Eu já comprava livros para elas, quando ainda estavam na barriga da minha irmã. Estou sempre comprando livros e lendo as histórias para elas. Hoje, que já sabem ler, lemos juntas: cada uma lê uma página ou um parágrafo em voz alta. Elas até me pediram para criar um clube de leitura, como na biblioteca da escola em que trabalho. Lemos um livro e fazemos atividades sobre ele, além de conversarmos muito sobre a história ali narrada.
Denise, como psicopedagoga, quais as suas dicas para estimular o hábito da leitura desde a infância?
Denise: Estudos indicam que os pais podem ler para os seus filhos desde a gestação. O feto consegue identificar a emoção das palavras. Para os bebês, é interessante mostrar figuras. Pode aproveitar inclusive, a hora do banho (já ouviu falar nos livrinhos de banho?). Ler junto com elas. A leitura compartilhada sempre dá bons frutos. É importante também deixar a criança escolher o que quer ouvir ou ler. Na hora de dormir, acostume-se a contar histórias para elas.
E na fase adulta, pra quem nunca leu ou lê pouco, mas quer adotar esse hobby, o que aconselha? Como começar a “sentir o gostinho” de mergulhar na leitura e perseverar?
Denise: Comece com livros menores, de poucas páginas, de preferência que alguém recomendou, por ser muito bom. E estabeleça uma meta de ler pelo menos 10 ou 20 páginas por dia pra dar a largada. Existem leituras coletivas e clubes de livros que podem ser uma forma de motivação. Para quem quer iniciar nessa aventura deliciosa, eu sempre indico e empresto aquele livro envolvente, que não dá vontade de parar de ler e nos aproxima do enredo e dos personagens.
Talita: Meu primeiro conselho é não encarar os clássicos de pronto. Eles são ótimos, mas normalmente são difíceis de ler e podem não prender a atenção do leitor iniciante, fazendo-o desistir. Outra dica é escolher um gênero que mais se identifica com você. Não adianta alguém te dizer que um livro é maravilhoso e que você vai amar. Ele pode não ser o tipo de literatura que te agrada. Também recomendo não ter preconceitos: nem toda leitura tem que trazer ensinamentos valiosos e mudar sua vida. A gente pode – e deve – ler pra passar o tempo e se divertir também. Pode ler livro bobinho, um best-seller ou uma obra que ninguém conhece. Pode tudo. Só não pode desistir. Se não gostou de um gênero, tente outro. Vá buscando e se testando. Se você não tem amigos e familiares que costumam ler e não sabe onde procurar dicas, as redes sociais estão cheias de perfis literários de todos os tipos. Com certeza você vai encontrar alguém que indica exatamente o tipo de leitura que vai te deixar feliz.
Quais os benefícios da leitura para o desenvolvimento cognitivo?
Denise: São inúmeros os ganhos que a leitura traz. Para citar alguns, essa prática estimula a criatividade, a imaginação, o raciocínio, a memória e a concentração; desperta a curiosidade, aprimora e amplia o vocabulário, desenvolve o senso crítico, melhora a qualidade do sono e ajuda a aliviar o estresse e a ansiedade.
Talita: No clube de leitura da Biblioteca onde trabalho temos 2 turmas: uma com alunos entre 10 e 12 anos, e outra com alunos entre 13 e 15 anos. Em ambas eu observo que, quanto mais eles leem, melhor escrevem, tornam-se mais criativos, aumentam o vocabulário e entendem melhor as regras gramaticais. Outro ponto que destaco é que eles conseguem debater os temas abordados nas obras com um repertório melhor, com mais argumentos e de uma forma mais assertiva, mesmo alguns temas mais complexos e polêmicos. Percebo ainda nesse grupo o quanto a leitura ajuda no desenvolvimento da empatia. Quando lemos, nos colocamos no lugar dos personagens e levamos esse aprendizado para a vida real, enxergando o outro e buscando a melhor forma de acolhê-lo. Leitores são criaturas muito empáticas!
Você costuma reler alguma obra?
Denise: Não é uma conduta comum. Mas às vezes releio livros espíritas.
Talita: Eu sou contra reler livros, pois sempre penso que nesse tempo de releitura eu poderia ler um novo. Porém, algumas leituras eu sinto que precisam ser feitas mais de uma vez. A Menina que Roubava Livros é um dos meus livros preferidos e eu sou fascinada pelos personagens da obra. Então, às vezes eu tenho saudade deles e, nessa, já li três vezes o livro. A tetralogia de As Brumas de Avalon é uma série que precisei reler, pois li quanto tinha 17 anos, e queria entender o que me fez amar tanto esses livros. Tenho um livro que eu já li mais de 30 vezes, Fernão Capelo Gaivota. Acho que as lições que ele passa são reconfortantes demais e acabo relendo pelo menos uma vez por ano.
Como conciliar a agenda profissional e doméstica com a disciplina de ler diariamente?
Denise: Não há uma regra. Como já desenvolvi esse hábito, ele entra naturalmente na minha rotina, e não há dificuldade alguma em conciliar com as outras atividades do meu dia-a-dia.
Talita: Eu às vezes tenho que abrir mão de algo na minha rotina. Se eu quero usar o tempo para ler, vou ter que deixar de fazer outras tarefas. Eu vou sempre ser a amiga atrasada, que ainda não viu a série que todos estão assistindo ou o filme que todos amaram, pois muitas vezes eu vou preferir ler a ligar a TV. O que me ajuda muito também é sempre ter um livro na bolsa, pois você nunca sabe quando vai ter um tempo livre (filas, sala de espera, praia, shopping...) e quaisquer 5 minutinhos de leitura já ajudam. E também pensar que você não precisa ler 100 páginas no dia, se você consegue ler 2 páginas antes de dormir, já adiantou a leitura. (Aliás, ler antes de dormir colabora para uma boa noite de sono).
Você repassa os livros que já leu, ou deixa em algum lugar aleatório para alguém pegar e levar embora?
Denise: Eu sou a favor de que os livros precisam circular, mas tem alguns que guardo. Repasso muitos para os amigos e costumo deixar também em locais públicos e aleatórios. Na última viagem que fiz com minha filha Talita para Pernambuco, levamos 4 livros cada uma para ler durante a nossa estada. Na ida, já deixei o primeiro no avião e os outros nos hotéis, banheiros de restaurantes etc.
Talita: Eu costumo guardar os que gosto muito e os que eu ganho de pessoas especiais. Os outros eu sempre repasso. Quando é apropriado para a faixa etária dos alunos da escola em que trabalho, sempre levo para lá. Os que não são, eu acabo doando ou “esquecendo” em algum lugar, para que encontrem novos leitores.
A toque de caixa
- Livro inesquecível; autor e autora prediletos; último livro que leu e volume de leitura em 2024:
Denise: Duna - 1ª. Trilogia (Frank Herbert) // Harlan Coben (escritor americano de ficção policial) e Jojo Moyes (romancista e jornalista britânica) // A Empregada, suspense de Freida McFadden // 120 livros, mais dois de estudo.
Talita: A Menina que Roubava Livros, de Markus Zusak // Autor e autora prediletos: Stephen King e Clarice Lispector // Olhos D`água, de Conceição Evaristo // 212 livros
Muitos cliques e pouca leitura: a foto que abre este artigo é do interior do Real Gabinete Português de Leitura, situado no região central do Rio de Janeiro. O local se tornou ponto turístico devido ao projeto arquitetônico e não ao vasto acervo de obras literárias.
