Muito além de um sonho qualquer

Muito além de um sonho qualquer

“Entre de cabeça erguida. Não tenha medo, pois tudo vai dar certo”. A frase até hoje ecoa na cabeça do assessor de investimentos Gilvan Bueno Costa, 35 anos. Prova disso é que ele ainda é capaz de descrever, com riqueza de detalhes, tudo o que aconteceu na manhã de 3 de setembro de 2009, quando adentrou na filial da corretora Geração Futura, no Rio de Janeiro. As palavras de incentivo ao novo estagiário foram ditas pela secretária que o recebeu, e logo sacou seu jeito “meio acuado”, típico de quem está diante de uma situação nova.

De fato, foi tudo que ele precisava ouvir naquele instante. No trajeto entre a porta e a sala aonde trabalha a equipe de analistas e operadores das mesas de compra e venda de ações e commodities, ele cruzou com o fundador da corretora, o bilionário investidor Lírio Parisotto. “Eu estava tão confiante que percebi que até o dono da empresa notou minha presença”, recorda Gilvan.

A partir daí o jovem soteropolitano que emigrou com a mãe para o Espírito Santo e já morou em São Paulo, onde tentou a sorte como jogador de futebol, viu sua carreira no mercado financeiro dar um grande salto. Depois da Geração Futura, ele passou pelo Banco Itaú e também pelo Banco Pactual, empresas de primeira grandeza no setor.

Ao longo de sua trajetória, Gilvan contou com muitas pessoas dispostas a estender-lhe a mão, e outras tantas que lhe criaram dificuldades. Pragmático ao extremo, o assessor de investimentos guardou os bons conselhos e tratou de superar as dificuldades que insistiam em aparecer no caminho. Para alcançar o ritmo dos colegas, boa parte deles oriundos de famílias de elevado poder aquisitivo e que passaram por escolas de ponta, Gilvan devorava livros e mais livros.

A facilidade em aprender e o gosto pelos livros foi vital para garantir a vaga neste concorrido estágio. É que para atuar no mercado de capitais é preciso dispor da certificação CP 20, da Anbima, entidade que reúne bancos, corretoras e distribuidoras. Num teste que historicamente reprova até metade dos inscritos, ele conseguiu a proeza de passar de primeira. “Tive somente três meses para me preparar”, conta.

A esta altura, já deve ter passado pela cabeça de muitos dos leitores deste artigo que se trata de uma história bastante parecida com a ocorrida nos Estados Unidos, e que ganhou as telas do cinema com o título À Procura da Felicidade, correto?

De fato, Gilvan se reconhece em boa parte da saga de Christopher Paul Gardner, mais conhecido como Chris Gardner e cujo livro deu origem ao filme estrelado por Will Smith. “Felizmente eu nunca tive de dormir no metrô”, brinca. “Mas comecei a carreira como estagiário. Era o primeiro a chegar e o último a sair da corretora”.

Personagem de si mesmo

Apesar de dizer que a história de Chris Gardner o define, Gilvan refuta a ideia de ser apenas uma espécie de personagem de si mesmo. “Meu sucesso profissional ainda está sendo construído. Por enquanto, possuo apenas uma bela história de superação para apresentar ao mundo”, diz.

E é neste ponto que entra em cena outros personagens na história desse baiano de trejeitos cariocas e dono de um estilo bastante franco e direto de se posicionar diante da vida. Um deles é o empreendedor Vitor Coff Del Rey, 32 anos, estudante de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), do Rio.

O que uniu os dois, além da origem humilde (Vitor nasceu e cresceu na Baixada Fluminense e graças ao cursinho popular Educafro ganhou bolsa integral na FGV), foi o espírito empreendedor e o pragmatismo. Vitor é o fundador do aplicativo (app) Kilombu, uma plataforma concebida para estimular a geração de negócios entre empreendedores afro-brasileiros. Desde seu lançamento, em fevereiro de 2016, já conta com 404 negócios cadastrados, de 38 categorias espalhados por 18 estados.

Em outubro de 2016, Gilvan enxergou em uma possível parceria com o app a possibilidade de ampliar seu trabalho social iniciado com o projeto Capitalismo Herdeiro, que ensina planejamento financeiro para jovens e empreendedores da base da pirâmide. “Meu objetivo era fazer um link entre o Projeto e o aplicativo”, recorda Gilvan. Mas a conversa evoluiu muito além disso.

Hoje, além de atuar como assessor independente de investimentos, associado à corretora XP, uma das maiores do País, ele lidera o processo de reestruturação do Kilombu. A opção pela carreira-solo no mundo financeiro foi precedida de muita reflexão. “Percebi que teria mais condições de crescer profissionalmente e financeiramente atuando de forma independente”.

Road show

No projeto desenhado por Gilvan para o Kilombu não falta ambição. A meta é atrair um sócio capitalista para colocar o app como um dos principais agentes do Black Money no Brasil. Antes, porém, será preciso arrumar a casa. Isso porque, apesar de a plataforma estar rodando com relativo sucesso, ela não gera dividendos financeiros para seus criadores.

Dono de uma visão de mundo típica dos pioneiros do Vale do Silício, conhecidos pela ousadia e pelo destemor em arriscar, Gilvan pretende montar um road show para apresentar o Kilombu à comunidade financeira. “Nossa meta é arrecadar, numa primeira rodada, de R$ 500 mil a R$ 1 milhão de um investidor-anjo ou fundo de investimento”, diz com a confiança de quem construiu uma bela história graças à garra e à determinação.

É que até atravessar a porta da corretora Geração Futura, em 2009, ele ralou muito. Muito mesmo! Saiu de Salvador com a mãe em direção ao Espírito Santo, pouco depois de completar um ano de vida. A perda prematura da mãe, quando ele estava com apenas 11 anos, fez com que começasse a enxergar na carreira militar o seu futuro. Com isso em mente, foi morar na casa de um parente no Rio.

Contudo, foi reprovado nas três vezes em que tentou ingressar na Escola Naval. Mas o sonho de conseguir um futuro melhor continuava em sua mente. Foi, então, que decidiu arriscar a sorte como boleiro. Para isso, perambulou pelo interior de São Paulo, onde participou de inúmeras peneiras em times da série A-2 do campeonato estadual: São Carlos, Noroeste e Marília. Tampouco teve êxito.

De volta ao Rio de Janeiro e morando de favor na casa de um parente, Gilvan decidiu colocar os pés no chão. Arranjou um emprego como garçom e foi tocar a vida. Mas nunca se contentou em ser apenas mais um. Prova disso é que nos 12 anos nos quais labutou com a bandeja na mão sempre se mostrou um profissional diferenciado. Dono de um estilo bastante peculiar, ele encantava os clientes com sua simpatia e a capacidade de falar sobre diversos temas com propriedade. Especialmente numa cidade conhecida pela prevalência de garçons mal-humorados. Também era um ótimo ouvinte.

Foi num desses diálogos que um cliente lhe deu uma dica de uma vaga de emprego em uma empresa de factoring. O salário era fixo e a jornada de trabalho lhe permitiria voltar a estudar e, claro, a sonhar alto. Mas a esta altura, seu sonho já não dependia apenas de sua força de vontade. Para concluir os estudos optou por um supletivo do EJA (Educação de Jovens e Adultos), oferecido na rede pública.

Graças a uma bolsa integral do Prouni ele ingressou na faculdade aos 30 anos. Foi cursar o técnico em Gestão Financeira, na Estácio de Sá, no centro do Rio. Já no primeiro dia de aula ele deu de cara um antigo cliente da pizzaria, o professor Miguel Bahury, ex-superintendente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Em seu dia a dia, Gilvan ainda encontra outros tantos ex-clientes e professores da Faculdade.

Aliás, o site do projeto Capitalismo Herdeiro foi desenhado e é administrado por amigos que ele foi acumulando em sua trajetória. A pregação sobre a importância de se dar valor ao dinheiro, para extrair o que ele pode dar de melhor, já levou Gilvan a ministrar aulas em diversos locais: escolas técnicas e universidades. Ele também é convidado para cursos sobre o mercado financeiro e a certificação CP 20, da Anbima.

Mais uma vez, entra em cena na trajetória deste soteropolitano a figura de ídolos inspiradores. Um deles é Muhammad Yunus, conhecido como o banqueiro dos pobres e ganhador do Prêmio Nobel da Paz. “Assim como aconteceu comigo, sabia que deveria ajudar a melhorar a vida de muitas pessoas”, diz Gilvan.

Ah, Gilvan também segue ampliando seus conhecimentos acadêmicos. Mas sempre de forma pouco convencional. Apesar de a habilidade no inglês ainda precisar de lapidação, ele cursa o MBA em administração na University Of the People (UOPeople), especializada em ensino à distância e baseada nos Estados Unidos. “Foi a forma que encontrei de aprimorar meu inglês e ampliar meus conhecimentos na área de gestão”, explica.

Tá bom, né?!

SAIBA MAIS:

Sobre o aplicativo Kilombu

Sobre o projeto Capitalismo Herdeiro

Sobre o Black Money

Sobre a University Of the People