Meio bilhão de reais em negócios

A cifra destacada no título deste artigo, impressiona. Sem dúvida. E não apenas pelo valor objetivo da expressão monetária, como também pela carga de simbolismo que ela carrega. Afinal, trata-se do volume de recursos gerados por negócios entre pequenas e médias empresas com a venda de produtos e serviços para gigantes nacionais e multinacionais, no período 2000-2019. Em comum este grupo de fornecedores possui entre si o fato de pertencerem a minorias historicamente alijadas do processo de desenvolvimento econômico: afro-brasileiros, ameríndios e Pessoas com Deficiência (PcD). E o fio condutor do processo que deu origem aos R$ 500 milhões em transações é o Integrare – Centro de Integração de Negócios.

A organização foi criada em 1999, mas foi somente a partir de 2001 que começou a ganhar destaque na mídia e a entrar na pauta das grandes corporações. “O fortalecimento de negócios tocados por representantes de grupos minoritários era um conceito muito novo, no Brasil, apesar de possuir uma longa trajetória nos Estados Unidos, onde foi criado”, diz o empreendedor Cesar Nascimento, idealizador e fundador do Integrare.

Ele conta que, no início, a aproximação com a National Minority Supplier Development Council (NMSDC), ajudou na construção e consolidação das bases teóricas e na atração de eventuais parceiros. “A Harriet Michel (presidente da NMSDC) e outros empreendedores afro-americanos nos ajudaram a abrir muitas portas”. A lista inclui potências do porte de Xerox, Honda North America, Lucent, Kodak, HP e Delta, que atuaram como facilitadoras e apoiadoras em eventos, por exemplo.

Nascimento (à esq.), Jesse Jackson e Clarence Smith, dono da COS Media Inc.

Mas cuidar de integração e lutar para derrubar barreiras relacionadas ao preconceito e ao racismo institucional, sempre se mostrou um tarefa árdua. As conquistas iniciais dependiam muito mais do apoio individual de executivos do que da filosofia da empresa. Ironicamente, foi uma corporação brasileira de economia mista, a Nossa Caixa, Nosso Banco, vinculada ao governo de São Paulo, que sustentou o Integrare, então batizado de Ciepeghepe (Centro de Integração Empresarial para Etnias e Grupos Historicamente Excluídos do Progresso Econômico).

“Na época, os executivos das grandes empresas tinham uma dificuldade de nos enxergar como homens e mulheres de negócios”, recorda o fundador do Integrare. “A visão do processo era assistencialista, por isso nos mandavam sempre lidar com o departamento de RH, nunca com a área de negócios.”

Cesar destaca, contudo, que essa percepção vem evoluindo. Alguns fatores têm colaborado para isso. Um deles é a valorização das políticas de diversidade e inclusão, baseadas em acordos globais pactuados por empresas no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU). De fato, o mundo corporativo atual guarda poucas semelhanças com o do final da década de 1990. Na época, ainda vigorava a máxima do economista americano Milton Friedman, para quem o lucro era a única ação social possível para uma empresa.

Hoje, continua-se falando de lucro, mas incorporado de outras terminações: social, ambiental e compartilhado. Além disso os Fundos de Investimentos globais tem se recusado a investir em companhias que não cuidam de seus stakeholders ou cujas atividades colocam em risco o meio ambiente. Isso tudo pode ser resumido em três letras: ESG, acrônimo para meio ambiente, social e governança, da sigla em inglês.

 meio bilhao em negocios integrare Gilberto Gil 1 papo reto 585x472Nascimento com o Ministro Gilmeio bilhao em negocios integrare New York City 1 papo reto 263x175Missão comercial a Nova YorkSteven Sims Nossa Caixa Nosso Banco 1 papo reto meio bilhao de reais 263x175Parceria com a Nossa Caixa (SP)

Expansão Nacional

É ancorado nessa nova realidade que Cesar e a equipe de abnegados dirigentes do Integrare estão desenhando o futuro da entidade. Na semana passada, ele formalizou o termo de recebimento de um prédio de três pavimentos, no centro comercial de Alphaville. A ideia é fazer desse espaço a ponta-de-lança para o crescimento em escala nacional. Atualmente, a entidade conta com 800 associadas, denominados EFI (Empresa Fornecedora Integrare), dos quais 200 estão ativos e 50 fazem negócios constantemente com as 20 companhias parceiras. A totalidade das transações é gerada na região metropolitana de São Paulo.

“Agora que chegamos à maioridade, nossa intenção é expandir o raio de ação da entidade, criando filiais em outras cidades da região Sudeste e entrando no Sul e no Nordeste”, diz. Ele conta que o modelo do Integrare só faz sentido em polos econômicos com forte atividade industrial, onde existam grandes conglomerados, com diversificado nível de demanda. “É nos nichos de serviços e produtos especializados que os empreendedores de pequeno e médio porte são mais competitivos”, destaca.

Nascido no bairro da Casa Verde, na Zona Norte da cidade, Cesar jamais pensara em se tornar ativista político-social, apesar de ser sobrinho de Abdias do Nascimento, ícone do Movimento Negro. “Tudo aconteceu meio por acaso, quando fui convidado para participar de uma roda de conversas na Câmara Afro-Brasileira, em 1996. De convidado, acabou se tornando uma das estrelas do evento, pois era um dos poucos que tinha o domínio do idioma inglês.Após uma bem-sucedida carreira como executivo em multinacionais, na área de contabilidade e finanças, Cesar decidiu empreender. Fundou a consultoria ON Controller e passou a prospectar clientes com seu time de executivos. “Quando perdi o `sobrenome corporativo´ tinha de explicar que, apesar de ser negro, era dono de um negócio sólido”, recorda. “Houve até um caso de um potencial cliente que desmarcou a reunião que havia agendado conosco, quando descobriu que o possível fornecedor de serviços especializados era um homem negro”.

Apesar dos avanços, os estudos e pesquisas continuam mostrando que o contingente formado por ameríndios, PcDs e afro-brasileiros continua se deparando com “barreiras invisíveis” ao crescimento de seus negócios. O que significa dizer que o Integrare continua sendo necessário. Nos Estados Unidos, onde a população ameríndia e negra não chega a 20% do total, as compras das grandes corporações de produtos e serviços dos empreendedores ligados à National Minority Supplier Development Council (NMSDC) movimenta US$ 400 bilhões, por ano.