Foi a partir deste mote que a cofundadora do Instituto Mulher Negra e Cia., Ruth Lopes, desembarcou em Brasília há cerca de dois meses, em busca de aliados para um ambicioso projeto: mostrar às empreendedoras paulistanas o mapa para acessar o dinheiro público. O esforço e as interlocuções no Planalto Central renderam uma parceria com o Ministério do Empreendedorismo, da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte (MEMP), principal patrocinador da Expo Mulher Negra e Cia., evento realizado nos dias 15 (quinta-feira) e 16 de maio, no Club Homs, em São Paulo. “Este evento é singular por muitos aspectos. Primeiro porque é focado nas mulheres negras. Segundo, porque além de montarmos uma vitrine para seus negócios em diversos segmentos, estamos compartilhando estratégias de ação que podem ajudar na sustentabilidade de seus empreendimentos”, disse. Quando fala em sustentabilidade, a ativista, blogueira e empreendedora reafirma que está se referindo ao item vital de qualquer negócio: recursos financeiros. “Dinheiro na mão, poder na ação!”, destacou.
Segundo ela, a militância é importante, sem dúvida. Porém o que irá viabilizar o crescimento das mulheres é o acesso ao crédito, muitas vezes negado às integrantes deste contingente por conta do racismo estrutural. Mesmo quando se trata de recursos federais nos quais o ente público é o garantidor da operação, mas a distribuição fica a cargo da rede bancária. Fenômeno, aliás, detectado pela ouvidoria federal, segundo Marcelo Strama, diretor de Fomento do MEMP. “Recebemos queixas de empreendedores que tentaram acessar as linhas de crédito nos bancos conveniados, mas foram informados que essas linhas sequer existiam”, lamentou. “Neste e em outros casos procuramos intervir entrando em contato com a instituição pedindo que reforçasse a comunicação interna.”
Strama comandou um concorrido workshop sobre acesso ao crédito, no qual destacou os produtos do Ministério, com destaque para o ProCred 360, regulamentado pela Lei 14.995/2024. O programa garante condições favoráveis aos Microempreendedores Individuais (MEIs), com receita de até R$ 81 mil, que podem sacar até 30% do faturamento do ano anterior. Caso o negócio seja comandado por uma mulher ou cuja força de trabalho seja composta em sua maioria por integrantes do sexo feminino, o percentual sobre para 50%. O empréstimo possui carência de até 18 meses e pode ser quitado em 60 parcelas. A taxa de juros está fixada em 5% ao ano, acrescida da variação da Selic. “Foi a forma que encontramos para privilegiar as mulheres que, historicamente, têm menos acesso ao crédito”, diz.
Quadro indica o volume de liberação de recursos para MEIs até 15/5/25, via ProCred 360 - Fonte: Reprodução arquivos MEMP
Ele destacou que encontros como o promovido pela Expo Mulher Negra e Cia. ajudam na tarefa de popularizar o trabalho do mais novo ente federal, criado em 2023. “O MEMP é uma conquista muito importante, pois até então apenas as grandes empresas e o setor do agronegócio possuíam um canal direto de interlocução com o governo federal.” Apesar de se um programa sem previsão de continuidade, Strama disse que o ProCred 360 pode representar um ponto de virada para muitas empreendedoras, pois dispõe de um volume de recursos bastante expressivo: R$ 9 bilhões. Mesmo com as dificuldades pontuais, como a resistência de alguns gerentes e a pouca divulgação, já foram liberados R$ 2,58 bilhões para 83.312 empresas, resultando em um tíquete médio de R$ 29,3 mil por operação.
Letramento digital
Mas o racismo estrutural que desponta na interlocução dessa mulheres com o setor financeiro não é o único empecilho, de acordo com as participantes do workshop. “Mesmo quando sabem da existência dos recursos, existem outras barreiras como a falta de letramento digital”, destacou Ruth. E foi com isso em mente que ela fez questão de incluir na programação da Expo Mulher Negra e Cia., evento realizado como parte da celebração da semana em que se comemora os 137 anos do fim da escravização de africanos no Brasil, sessões de mentoria comandadas pela advogada Tânia Sanches, ativista de direitos humanos e especialista em práticas transformadoras, além de oficinas digitais, sob a responsabilidade de Esdras de Lúcia, especialista em marketing digital, que indicou o “caminho das pedras” para quem deseja se destacar e fazer negócios na internet.
A atuação de Rute e de sua irmã e sócia, Raquel Costa, presidente do Instituto Mulher Negra e Cia., em prol da valorização dos empreendedorismo afro-brasileiro vem de longe. Começou na universidade, a partir da União Nacional dos Estudantes (UNE), na gestão de Orlando Silva, que hoje é deputado federal do PcdoB, representando São Paulo, e seguiu em diversas ONGs focadas em educação e na promoção da diversidade. Nessa lista consta a Frente Negra Online, um coletivo que reúne um expressivo grupo de criadores de conteúdo e influencers digitais, focados na plataforma Instagram.
Mais uma vez, a luta é pela equidade, negada dessa vez pelo “racismo algorítmico” que faz com que postagens de páginas comandadas por criadores negros e negras tenham menor alcance em relação às demais, conforme indicam diversos estudos, como os realizados por Andi Almeida, da Universidade Federal de Pernambuco, e Tarcízio Silva, criador do termo "racismo algorítmico".
Legenda da foto que abre essa reportagem: (a partir da esq.) Strama, Ruth, Raquel e Nelson Oliveira da Silva, diretor de Relações Institucionais do Instituto Mulher Negra e Cia.
