“O mundo não precisa de mais roupas novas, precisa de um novo olhar”

“O mundo não precisa de mais roupas novas, precisa de um novo olhar”

A frase, acima, abre o artigo da publicitária, empreendedora e ativista Mari Pelli, fundadora do Roupa Livre, e fecha a coletânea de 12 textos que compõem o livro Revolução da Moda – Jornadas para Sustentabilidade. A obra, lançada pela editora Reviver, foi idealizada pela ONG Fashion Revolution Brasil e tem a ambição de conectar o leitor com uma face não tão glamorosa do outrora denominado “mundinho fashion”. Não para demonizá-lo, mas sim para reforçar seu caráter agregador e sua importância do ponto de vista econômico. Especialmente para as mulheres, que ocupam a quase totalidade dos postos de trabalho nessa complexa indústria.

Ao longo de 210 páginas editoriais, o leitor embarca em uma jornada de conhecimento, a partir de textos provocativos que reforçam denúncias sobre as condições de trabalho, que desafiam os integrantes do setor a serem mais criativos e que celebram iniciativas exitosas. Tudo costurado com pontos de esperança sobre o novo mindset do papel da moda. O catalisador do movimento global Fashion Revolution foi o desabamento do precário edifício Rana Plaza, em abril de 2013, em Bangladesh, que causou a morte de 1.134 pessoas. Boa parte delas costureiras de oficinas terceirizadas para grifes de prestígio global.

“Ficou evidente que o discurso de sustentabilidade, feito pelos integrantes do setor, estava descolado da realidade”, diz Fernanda Simon, diretora-executiva do Instituto Fashion Revolution Brasil. “Ainda hoje, muitas vezes, as pessoas não entendem que o debate sobre a indústria da moda não pode se resumir ao glamour, mas também aos impactos que causamos quando escolhemos determinados produtos ou serviços.”

A partir de 2014, a moda ativista Fernanda passou a liderar uma série de iniciativas. Os principais marcos temporais são o lançamento da hashtag #QuemFezMinhasRoupas, destinada a lembrar as vítimas do Rana Plaza, e o Fashion Experience, em 2016. A loja pop-up, instalada na avenida Paulista, ícone do poder paulistano, convidava os visitantes a conhecer os bastidores da indústria de confecção. A partir daí surgiram a Semana Fashion Revolution, também em 2016 e que possui alcance nacional, o Fórum Fashion Revolution, em 2018, e o Programa Educacional Jovens Revolucionários, em 2020, focado em educadores e estudantes.

As mobilizações feitas no Brasil são reconhecidas, em termos globais, por sua importância. “O país ocupa uma posição de destaque no Índice de Transparência da Moda, que reúne o trabalho das entidades filiadas ao Fashion Revolution”, destaca Eloisa Arturo, diretora educacional do Instituto. Elô, como ela é mais conhecida, explica, no entanto, que isso não significa dizer que a situação, por aqui, seja melhor que nos demais países. Um bom exemplo foi o escândalo de trabalho análogo à escravidão, envolvendo a filial da espanhola Zara, em São Paulo. “O nosso grande diferencial é a estrutura legal que prevê inúmeros direitos aos trabalhadores, incluindo os mais básicos, como o de associação em sindicatos.”

fashion revolution protesto rana plaza 1 papo retoProtesto em Daca, Bangladesh, lembra a tragédia do Rana Plaza e critica a ganância da indústria da modaDe certa forma, o livro Revolução da Moda – Jornadas para Sustentabilidade traz os pontos marcantes da trajetória do Fashion Revolution, no Brasil. A competente curadoria feita pela dupla Fernanda-Elô acertou em cheio ao evitar o “caminho fácil” das obras que usam como “muleta” as efemérides e as linhas de tempo. Em vez disso, elas optaram em separar os artigos em seis verticais: Consciência, História, Identidades, Comunidades, Natureza e Futuro; permitindo aos leitores viajar pelo universo da moda em inúmeras dimensões.

Os textos são densos, mas nem por isso afugentam os não-iniciados no universo fashion e no debate sobre sustentabilidade. “O livro reúne as vozes de mulheres fantásticas, que atuam na cadeia da moda de forma diferenciada e têm muito o que contar”, destaca Fernanda, diretora-executiva do Instituto Fashion Revolution Brasil, e que aparece à direita, na foto que abre esse texto, ao lado de Elô.

A única nota destoante em relação ao livro é com relação a apresentação das autoras dos textos e das próprias curadoras. Bastaria duas ou três linhas no início ou no pé de cada artigo, para cumprir essa tarefa. Se quisessem ir além, poderiam também incluir uma foto. Afinal, numa sociedade criticada (com razão!) pelos efeitos nefastos do patriarcado, quem não gostaria de conhecer o rosto de mulheres tão extraordinárias, né!?

 

SAIBA MAIS:

O Verdadeiro Custo, documentário que expõe os prejuízos sociais, humanos e ambientais causados pela indústria da moda nos países pobres.